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domingo, 11 de abril de 2010

Ubiracy e o Bacnaré




Ubiracy Barbosa Ferreira, atuamente dirigente do Maracatu Sol Nascente, e também foi o responsável pela reativação deste maracatu. Participou intensamente do Balé Primitivo de Arte Negra, juntamente com Zumbi Bahia. Posteriorment fundou o Bacnaré (Balé de Cultura de Arte Negra).

 Grupo de dança, coreografado por Ubiracy. Imagem do acervo de Ubiracy.


Sebastião José da Silva

Sebastião José da Silva, conhecido como Boneco de Mola, participou intensamente do mundo do samba pernambucano, como compositor de diversos sambas enredos de escolas de samba.

Regina Célia (Mana)

Regina Célia da Silva

Mais conhecida como Mana, participou do Maracatu Leão Coroado, quando este grupo era dirigido por Luis de França. Regina Célia foi criada desde menina como uma filha por Luis de França, e com ele conviveu até sua morte. Participa de uma ampla comunidade de memória sobre a história dos que fizeram o antigo Leão Coroado, de Luiz de França.

Walter Araújo





Walter José de Araújo Ferreira. Grande ativista dos anos 1980 e 1990 dos grupos de teatro negro da cidade do Recife, tendo participado de diversos grupos, como autor e diretor. Também participou do CENPE.

Rosilene Rodrigues dos Santos


 Rosilene Rodrigues dos Santos.

Ativista do movimento negro em Pernambuco, Rosilene hoje trabalha com as política públicas de promoção da igualdade racial na prefeitura da Cidade do Recife. Mas sua história de vida revela uma mulher determinada a se construir enquanto mulher e negra, e criar oportunidades para todos e todas que lutaram pelo reconhecimento de sua negritude. Nesse sentido, sua entrevista se destaca por discutir os espaços culturais onde as identidades foram se construíndo, e as estratégias dos grupos utilizadas na construção dessas identidades. Participou da organização cultural Djumbai.

Lindvaldo Júnior




Lindvaldo Júnior trabalhou nas duas gestões do prefeito João Paulo no Núcleo de Cultura Afro da Cidade do Recife, órgão que ficou responsável, em grande medida, pela definição das políticas públicas para os movimentos culturais de negros e negras. O Núcleo de Cultura Afro foi responsável pela organização da Noite dos Tambores Silenciosos e pelo show de abertura do carnaval com Naná Vasconcelos e os maracatus. Destaque-se que, além do carnaval o Núcleo organizou diversas exposições sobre as expressões culturais afro-descendente, tendo produzido material sobre os afoxés, terreiros e outras expressões culturais.
Além dessa importante atuação, Júnior também participou por mais de uma década do Movimento Negro Unificado.

Dito de Oxóssi.



Expedito Paola Neves

Mais conhecido como Dito de Oxossi, é um Doté feito no santo há muitos anos, e tem atuado intensamente no Alto José do Pinho, onde mantém uma casa de santo. Atualmente é dirigente do afoxé Ylê de Egbá, mas participou de diversos outros grupos, quando começaram a ser criados no início dos anos 1980. Foi durante alguns anos responsável pela cerimônia religiosa da Noite dos Tambores Silenciosos.
Sua entrevista é da maior importância para a história dos afoxés de Pernambuco.

Malu e o Axé da Lua

José Maria de Farias, mais conhecido como Malu, é o atual dirigente do maracatu Axé da Lua.
Nas décadas de 1980 e 1990 foi importante militante de diversos movimentos culturais nos quais a negritude esteve no centro do debate. Sua narrativa nos conduz à uma vida cultural intensa e diversa, existente na cidade de Olinda, no período em questão, em que atuavam diversos afoxés, grupos de teatro, blocos afro, samba reggae e outros, que promoviam shows, debates, e inclusive protestos contra a prisão de Mandela.
Trata-se, portanto, de um personagem fundamental na história da negritude pernambucana.

Claudete Ribeiro, a luta das mulheres negras e os afoxés.


Claudete Ribeiro

Durante anos participou do Alfaim Oyó, atualmente é cantora no Oxum Pandá. Compositora e dirigente do proncipal grupo de afoxé de Pernambuco nos anos 1980-1990, Claudete participou deste afoxé desde seus primórdios, e nos proporciou em sua entrevista uma história do mesmo, das diversas diretorias que organizavam o gruopo e das políticas que o definiam. Alem disso nos apresentou suas principais composições, vencedora de festivais organizados pelo próprio Alafim Oyó, como forma de incentivar a produção cultural dos diversos grupos negros na cidade.
Trata-se de um importante testemunho da condição feminina, da luta para que uma mulher pudesse ser reconhecida em meio aos afoxés, com todos os direitos a cantar, compor e tocar os diversos instrumentos.

Roberto Barros. Uma vida dedicada aos maracatus nação.


Antônio Roberto Nogueira Barros

Atualmente dirigente do Maracatu Nação de Luanda, Roberto Barros é um importante personagem para a história dos maracatus nação da cidade do Recife. Além de ter conhecido antigos mestres e maracatuzeiros, como Luiz de França e Dona Madalena, Roberto foi um dos grandes responsáveis pelo ressurgimento do Maracatu Elefante, em meados da década de 1980, sendo um de seus principais articuladores. Roberto Barros participou de uma comunidade de memória importantíssima para a história da negritude em Pernambuco, tendo convivido com Dona Madalena, rainha de muitos maracatus, e a neta desta, Rosinete, com quem Roberto viveu alguns anos. Sua entrevista se destaca por nos apresentar esta comunidade de memória e também por nos permitir discutir a Noite dos Tambores Silenciosos, a organização do carnaval, as instituições públicas responsáveis pela organização do carnaval, dentre outros temas.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lepê Correia: uma teimosa presença no movimento negro de Pernambuco.




Lepê Correia (Severino Ramos Correia)

Entrevistado nos dias 13 e 15 de novembro de 2009, Lepê Correia é considerado a voz poética do Movimento Negro do Recife. Tem publicado diversos livros e colaborados em diversas revistas publicando seus poemas. "Teimosa Presença" é um deles, bastante conhecido no movimento negro de todo o Brasil:
Teimosa presença.
QuilombHoje

Ivo Rodrigues e o Teatro de Rua



Ivo Rodrigues
Reconhecido ativista dos movimentos culturais responsáveis por pensar e definir a negritude (ou o jeito de ser negro) em Pernambuco, Ivo Rodrigues participade diversos grupos de teatro de rua, como Arteiros e Ifá-Rhadhá de Arte Negra. Participou de afoxés e maracatus, além de ser membro do MNU
Entrevista realizada no dia 11 de maio de 2009, em Ouro Preto, Olinda. De sua entrevista destaca-se a importância que os grupos de teatro tiveram na afirmação da negritude, a exemplo do grupo formado por Zumbi Bahia e outros, e que também foram responsáveis pela fundação de diversos afoxés na década de 1980. Participou da criação do CENPE e do MNU, além de ter também participado em grupos de maracatu.E fundamental destacar a importância de Solano Trindade e sua obra poética na afirmação da negritude em Pernambuco. 

Inaldete Pinheiro. Mulheres fazendo o Movimento Negro.



Inaldete Pinheiro.
Entrevista realizada no dia 11 de maio de 2009. Fundadora do Movimento Negro do Recife, juntamente com Sílvio Ferreira e outros, participou ativamente de diversas fases do movimento, tendo contribuído signficativamente para as discussões sobre as mulheres negras.
Em sua entrevista discorreu intensamente sobre suas viagens à África e sobre a importância de se conhecer a história da África para os que faziam o movimento negro.
Escritora, Inaldete tem se dedicado à literatura infanto-juvenil com o intuito de contribuir para a valorização do ser negro desde a mais tenra idade.Apaixonada pelos baobás, escreveu um livro sobre os mesmos, e você pode acompanhar parte dessas histórias na Revista Palmares.

Edvaldo Ramos e a História do Movimento Negro em Pernambuco

Quem se atreveria a falar sobre a história do movimento negro em Pernambuco, e não mencionar Edvaldo Ramos? Impossível se pensar em tal possiblidade, pois o Dr. Edvaldo participou intensamente de diversas manifestações culturais negras na cidade do Recife e foi efetivamente um militante na construção de uma identidade cultural onde a negritude está presente. Advogado, título do qual tem muito orgulho, por reconhecer que como negro não foi uma conquista fácil, jornalista, Edvaldo Ramos foi, juntamente com Paulo Viana, um dos criadores e organizadores da Noite dos Tambores Silenciosos. Conheceu militantes históricos do movimento negro em Pernambuco, como Solano Trindade e Vicente Lima. Acompanhou a criação dos movimentos negros no final da década de 1970 e início dos anos 1980, referindo-e à atuação de Silvio Ferreira,  Inaldete Pinheiro, Abdias do Nascimento, dentre outros.
Sua entrevista, a mais longa realizada no âmbito do projeto Ritmos, cores e gestros da Negritude Pernambucana, foi realizada nos dias 20 de maio, 10 e 25 de junho, e durante esses dias abordamos  sua história pessoal, interessantíssima para se compreender os mecanismos de ascensão social dos homens negros em Recife, além de ouvirmos excelentes narrativas sobre a história das escolas de samba, dos maracatus nação, de pais e mães de santo de terreiros conceituados, como os de Badia, além de muitos outros assuntos, todos importantes para a história do Movimento Negro.

Brivaldo José de Souza e o Afoxé Alafin Oyó.




Brivaldo José de Souza.
Entrevistado em 15 de novembro e 04 de dezembro de de 2009, é um importante afoxezeiro, tendo participado ativamente do Afoxé Alafin Oyó, fazendo parte de sua diretoria, além de ter sido compositor e cantor do grupo.Também foi um dos criadores da Terça Negra, e contribuiu para sua realização por muitos anos.

Xoxo e o Maracatu Gato Preto.


Amaro da Silva Vila Nova, mais conhecido como Xoxo, é atual dirigente do Maracatu Gato Preto, mas antes de fundar seu próprio maracatu participou do Indiano. Entrevistado no dia 09 de abril de 2009, em sua residência no Alto do Rosário, Xoxo discorreu longamente sobre o Maracatu Indiano, de Zé Gomes e suas disputas com o Leão Coroado de Luiz de França. Como havia uma acirrada disputa entre os dois grupos, a entrevista de Xoxo nos proporciona uma excelente narrativa sobre as estratégias destes articuladores para resolverem suas disputas, ressaltando o poder dos "feitiços", "trabalhos" e outros poderes mágicos.

Articulando diversos maracatus: Armando Arruda



Armando Arruda
Atualmente participando do Maracatu Nação Leão de Judá, Armando Arruda é e foi um Importante articuldador de diversos maracatus nação da cidade do Recife, a exemplo do Porto Rico, Estrela Brilhante, Elefante e outros. Entrevistado em 30 de abril e 05 de maio de 2009, conversou longamente sobre suas memórias a respeito de diversos antigos maracatuzeiros, como Eudes, Luiz de França, Madalena, Dona Santa e outros. Sua entrevista foi  importantíssima por nos possibilitar compreender as redes de sociabilidade existentes entre os diversos maracatus, para além das já conhecidas rivalidades e disputas. Sua narrativa abarcou as décadas de 1970 aos dias atuais.

Ana Márcia dos Santos e as memórias sobre um mestre de maracatu: Natércio


Ana Márcia dos Santos
Filha de Natércio, importante mestre que passou por vários maracatus da cidade do Recife, a exemplo do Cambinda Estrela, de Tercílio, Leão Coroado, de Luiz de França e Indiano, de José Gomes. Entrevistada em 24 de abril de 2009, lembrou com facilidade das relações sociais entre os diversos maracatus na década de 1970 e 1980, as disputas entre os maracatus Leão Coroado e Indiano, a história de suas rainhas, como Madalena, Gessi,  Carmelita e outras. A respeito do Indiano, afirma que participou deste maracatu desde menina, carregando a capa de Madalena, passando a baiana, dama até chegar a princesa. Como mãe de santo Ana Márcia dá grande importância à religião dos orixás e sua relação com os maracatus.




NEGRO, MOSTRA SUA CARA! MOVIMENTO NEGRO EM PERNAMBUCO E SUAS EXPRESSÕES CULTURAIS.

Ivaldo Marciano de França Lima.

 Artigo publicado no livro: GUILLEN, Isabel Cristina Martins; GRILLO, Maria Ângela de Faria. Cultura, cidadania e violência. Encontro de história da ANPUH-PE. Recife, Ed. UFPE. 2009.

Apesar da ideologia da democracia racial, que sustentou por anos a fio a idéia de que o brasileiro não era racista, a questão racial foi discutida nas décadas de 1950 a 1960, gerando alguns estudos sobre a situação do negro no Brasil, e mais particularmente em alguns Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo. Pode-se falar dos estudos de Roger Bastide, Florestan Fernandes, e Costa Pinto, geradores de outros trabalhos acadêmicos. [1] Por que em Pernambuco não tivemos estudos semelhantes? Aliás, por que razão ainda prevalece nestas terras uma quase ausência de trabalhos que discutam diretamente a questão racial, principalmente as que dizem respeito ao movimento negro pernambucano? Por que ainda hoje possui tanta força o estudo de temas consagrados, quase sempre privilegiando pontos de vista eurocêntricos e, por que não dizer, brancos, a exemplo da ocupação holandesa e a atuação de Maurício de Nassau ou o domínio dos estudos sobre a cultura da cana de açúcar?
No que tange aos estudos sobre questões relacionadas às práticas e costumes negros, estes se concentraram praticamente nas pesquisas em torno das religiões de divindades e de entidades.[2] Aliás, a imensa maioria dos trabalhos sobre este tema não atribuíam às religiões este estatuto, referindo-se como cultos afros, seitas e religiosidade. Outro tema de estudos recorrentes foi a escravidão, vista não a partir do ponto de vista dos negros ou de suas práticas culturais, mas imersos no sistema colonial. Infelizmente, durante muito tempo, o lugar do negro esteve reduzido à religião nos cursos de Ciências Sociais e à escravidão na História. A cultura negra, quando muito, estava relegada ao lugar do folclore, e por isto mesmo, afastada dos estudos na academia. Esta constatação ajuda a entender a ausência de trabalhos de maior relevância no campo das Ciências Sociais e da História sobre as práticas e os costumes negros, sobretudo as suas expressões culturais, a exemplo do samba, afoxé e maracatu. Mas é preciso interrogar sobre os motivos desse ocultamento...
Pode-se pensar como razões para entender este descaso com a questão racial em Pernambuco, e com o movimento negro, questões relacionadas à herança marxista, que invariavelmente elege o ponto de vista das classes sociais ou do modo de produção, explicações ainda bastantes presentes entre boa parte dos historiadores pernambucanos; e a forte tradição na academia local de que ainda vivemos em um regime baseado na democracia racial. Não esqueçamos o fato de que Pernambuco é o centro, a base, a terra de um dos formuladores da ideologia da democracia racial. Isto tornou ainda mais difícil a tarefa dos militantes negros locais, que além de se afirmarem perante os movimentos e partidos da esquerda, tinham também de enfrentar os ideólogos de um sistema contra o qual lutavam. Mas não posso fechar nestes elementos as razões para pensar esta “quase-ausência” de estudos a que já me referi.
Devo também acrescentar o fato de que os interesses primordiais dos que ingressavam nas universidades públicas pernambucanas, local por excelência da produção intelectual e da pesquisa, era pautado por temas estranhos aos negros e negras, posto que estes e estas sequer conseguissem o acesso aos cursos de nível superior. E quando ingressavam, não conseguiam ter interlocutores ou mesmo professores e professoras que os orientassem neste tipo de pesquisas. Lembremos que estamos na terra, no berço da democracia racial, e, por conseguinte, admitir estudantes pesquisando seja sobre as relações raciais, seja a história do movimento negro é ir contra ao que Hasenbalg conceituou de ataque aos mandamentos centrais da ideologia da democracia racial. [3] Esta lógica também pode ser aplicada a outros temas que só recentemente vêm sendo objeto de estudos por parte de uma nova geração de pesquisadores, (sobretudo de historiadores) a exemplo das religiões de divindades e de entidades, bem como as manifestações culturais pernambucanas.
Roberto Motta observou que na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo o projeto UNESCO, tal como efetivado nesses estados, representou uma revolução paradigmática, ao contrário de Pernambuco, que pode ser considerado como contra-revolucionário, pois René Ribeiro, em associação com Gilberto Freyre, mantém-se fiel à “explicação do sistema de relações raciais no Brasil, encarado em termos de miscigenação, encontro de culturas e tolerância dos contatos de raça (...)” [4] As conseqüências da afirmação do paradigma da miscigenação podem ser apontados na crença generalizada da inexistência do racismo no Brasil. Esse “paradigma” dificultou não apenas os estudos sobre a questão racial, mas também a própria organização de movimentos anti-racistas em Pernambuco. Isso não significou uma ausência destes, mas uma quase invisibilidade dos mesmos dentre os estudos acadêmicos, como se não houvesse tensão política ou mesmo debates em torno das relações raciais. Salvo as obras de Sylvio José Ferreira e Maria Auxiliadora Gonçalves da Silva, praticamente nada há relacionado ao movimento negro em Pernambuco, sejam as estratégias utilizadas pelos negros e negras pernambucanos na denúncia do racismo, ou mesmo de suas lutas contra a ideologia da democracia racial. [5]
Infelizmente ainda não temos registros de militantes históricos pernambucanos, a exemplo de Inaldete Pinheiro, ou de Marcos Pereira, que foi ninguém menos do que o primeiro presidente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco na primeira gestão da Central Única dos trabalhadores (CUT). Também não dispomos de obras que registrem um pensamento e um olhar diferentes, que contemplem o que Márcia Maués denominou de elite negra.[6] Nada há a respeito das produções bibliográficas produzidas por militantes negros, à margem das editoras nacionais e locais, assim como inexistem obras que discutam a imprensa negra pernambucana nos anos 1970, 1980 e 1990. Refiro-me, evidentemente, ao contexto local, posto que já existam algumas obras que mostram fragmentos dos pensamentos e idéias dos principais militantes negros cariocas e de outros estados brasileiros. [7]
O objetivo deste artigo é, na medida do possível, esboçar um breve histórico dos movimentos negros pernambucanos, tendo como principal recorte o período que se estende entre os anos de 1960 até o final dos anos 1990. Esta periodização se baseia, sobretudo, no fato de que foi nestes anos o período em que mais ocorreram eventos, debates, vitórias e derrotas deste tão complexo e emblemático movimento social que é geralmente tratado no singular – movimento negro. Também apontarei questões e temas passíveis de estudos mais intensivos, mas sobre os quais há uma documentação mínima disponível.

Movimento negro: uma proposta de periodização.

Correndo riscos de ser contestado devido às muitas possibilidades de se estabelecer uma periodização para a história do movimento negro em âmbito nacional, é possível afirmar que este, grosso modo, teve ao longo do século XX uma existência pautada por altos e baixos, algo bastante comum em se tratando de um movimento social bastante controverso e complexo, ainda mais quando estamos nos referindo a um movimento social que necessitou lutar pelo reconhecimento de sua maior bandeira de luta que é o combate ao racismo. Ora, se a ideologia da democracia racial mascarava os conflitos raciais, não permitindo que estes fossem tratados à luz de um debate que afirmasse a existência do racismo em terras brasileiras, a principal reivindicação e bandeira de luta dos movimentos negros brasileiros até o início dos anos 1990 foi o reconhecimento da existência do racismo e a denúncia da democracia racial brasileira. É neste contexto que se pode entender a predominância de alguns temas nos periódicos da imprensa negra, a exemplo da positivação da cultura negra, a rejeição do dia 13 de maio como significativo para a comemoração da abolição da escravatura, a afirmação do dia 20 de novembro como a verdadeira data para os negros e negras e a afirmação de heróis negros, a exemplo de Zumbi dos Palmares. Estes temas foram recorrentes, mesmo nos periódicos da imprensa negra pernambucana, a exemplo do Negritude, Negação e Djumbay. Com o reconhecimento da existência de problemas no campo das relações raciais no Brasil, e o estabelecimento do GT interministerial em 1995, ainda no Governo de Fernando Henrique, os movimentos negros passaram à ofensiva, apresentando propostas diversas para o combate ao racismo. 
   Em 1978 foi fundado o Movimento Negro Unificado, e na Bahia crescem os grupos e blocos afro, a exemplo do Ylê Aiyê e do Malê. [8] Em São Paulo e no Rio de Janeiro jovens negros começam a promover protestos e denúncias contra o racismo brasileiro e a “democracia racial”. [9] Os anos 1980 são marcados pelo crescimento dos movimentos negros organizados. Mesmo no Recife, militantes negros questionam publicamente a situação racial do país. Sugerem a mudança do nome do Parque Treze de Maio, situado no coração da capital pernambucana, para Praça Vinte de Novembro, em alusão a morte de Zumbi dos Palmares. Nacionalmente o movimento acumula forças para o grande salto. [10] Se nos anos 1980 os grupos e as entidades do movimento negro já haviam conseguido a instalação da Fundação Palmares, tratava-se agora de desmascarar as teses freyrianas.  Para Alexandre do Nascimento:

(...) A chamada “questão racial” só entrou de fato na agenda de debates das políticas públicas na metade dos anos de 1990. De uma forma geral, foi nesta década, que a sociedade, o governo da União, as escolas e universidades, a mídia e outros entes estatais e privados passaram a discutir mais profundamente o racismo, o preconceito, a discriminação, a desigualdade racial e políticas contra esses problemas. Esse fato é resultado da luta histórica do Movimento Social Negro. (...) Um dos resultados positivos dessa luta histórica é que, hoje, mesmo com resistências de alguns setores da sociedade, não é mais possível negar que o racismo é uma questão presente na realidade concreta e que são necessárias políticas públicas chamadas de ação afirmativa – políticas específicas de promoção de igualdade de oportunidades e de condições concretas de participação na sociedade – para a superação do racismo, da discriminação e das desigualdades raciais. [11]

Ao longo dos anos 1990 o governo brasileiro vai reconhecendo, mesmo que sob pressões internas e externas, a difícil situação dos negros e negras no país, e cria, em 20 de novembro de 1995, um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar um diagnóstico sobre os problemas raciais brasileiros e apresentar propostas voltadas para a melhoria das condições de vida dos afro-descendentes. [12] Os movimentos negros organizados ganham espaços e cada vez mais exigem respostas para os problemas relacionados à questão racial. O “problema” cresceu enormemente após o ano de 2001, quando da realização da:

(...) Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as formas conexas de Intolerância, começaram a surgir no Brasil, no âmbito das políticas públicas, as primeiras políticas concretas de ação afirmativa. Mais uma vez por pressão do movimento negro, que submeteu o Estado Brasileiro a um constrangimento no cenário internacional, denunciando o racismo, a falta de cumprimento de convenções internacionais e realizando uma manifestação no local da conferência, em Durban, exigindo políticas de ação afirmativa e cotas para negros nas universidades. [13]

Após a eleição presidencial de 2002, em que se sagrou vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva, a questão racial entrou definitivamente na agenda da sociedade.  As pressões exigindo respostas para os sérios problemas raciais brasileiros resultaram na criação de uma secretaria especial com status de ministério, e nas palavras da ministra Matilde Ribeiro:

(...) Criada na atual gestão do governo federal, em março de 2003, a SEPPIR é uma resposta às demandas históricas do movimento negro, assumindo o legado da luta de combate ao racismo e a superação das desigualdades étnico-raciais, desafios de inclusão inerentes à história republicana brasileira. A constituição do órgão demonstra a existência do racismo em contraste à imagem de democracia racial difundida internacionalmente e revela, pela primeira vez, uma postura progressista do governo brasileiro ao estruturar um ministério incumbido do trato das questões raciais. [14]
  
Este é o contexto em que se situa a lei 10639/2003. Sob o auspício de um decreto, o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira passam a ser obrigatórias nas escolas dos níveis médio e fundamental. Evidente que se trata de uma lei positiva, no sentido de que propiciará a uma considerável parcela da sociedade brasileira conhecer parte de sua história, apontando para a perspectiva de entender um sem número de aspectos presentes tanto na identidade nacional, como nos costumes e práticas do cotidiano. Esta oportunidade, no entanto, só foi possível mediante decreto-lei, o que confirma as denúncias feitas ao longo dos anos por parte dos movimentos negros organizados de que a democracia racial brasileira não passava de um mito.
Antes disso, entre os anos de 1915 a 1945 o movimento negro passou pelo que alguns estudiosos denominam de gênese, em que os principais centros de mobilização foram as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A imprensa negra paulista, surgida entre os anos de 1916 a 1924, propiciou as condições políticas para a criação de uma organização nacional, a Frente Negra Brasileira. Esta entidade, fundada no ano de 1931, gozava de relativa popularidade em São Paulo, e talvez isto tenha permitido sua transformação em partido político já no ano de 1936. Devido ao Estado Novo seu registro foi cassado e os seus núcleos partidários dissolvidos.
Entre as décadas de 1940 a 1960 não temos no Brasil um movimento negro organizado, o que não significou ausência de discussões ou organização de grupos culturais preocupados em divulgar a cultura negra e sua contribuição para a identidade nacional, buscando positivar a cultura afro-descendente e ao mesmo tempo denunciar a existência de racismo no país. Nos anos de 1945 a 1975 ocorre o período da rearticulação, que é marcado pela fundação de organizações como a Associação Cultural do Negro, surgida em São Paulo. No Rio de Janeiro é fundado o IPCN – Instituto de Pesquisa e Cultura Negra – em 1975 no Rio de Janeiro, e em 1978 ocorre a fundação do Movimento Negro Unificado. Este período da rearticulação antecede o ressurgimento, datado entre os anos de 1975 a 1985. É neste período que ocorrem a fundação de um sem número de organizações políticas negras no país inteiro, e é também neste período que as ações destes grupos vão ser caracterizadas pelos governos militares de impatrióticos, racistas e imitadores dos norte-americanos. A todo tempo, inclusive, os jornais pernambucanos nos anos 1960 e 1970 mostram a cruel face do sistema de relações raciais americano com o intuito de estabelecer comparações com o Brasil, fazendo mostrar que este último era um verdadeiro paraíso em relação ao inferno racial norte americano. O último momento da periodização da história do movimento negro é o da militância, que ocorreu entre os anos de 1988 a 2000. Este é o momento das pressões na assembléia nacional constituinte e também a época de maior embate das organizações negras com as entidades dos demais movimentos sociais.
Grosso modo esta periodização coincide com os principais acontecimentos que marcam a história do movimento negro pernambucano, que teve a maior parte do tempo sustentação nas ações de cunho político-cultural no interior das escolas de samba, nos maracatus, clubes de frevo ou mesmo nos terreiros religiosos. Os negros e negras pernambucanos sempre demonstraram certo grau de organização na luta contra o racismo e na denúncia da democracia racial.

A constituição do movimento negro em Pernambuco.

Não se pode falar de ausência do movimento negro em Pernambuco antes dos anos 1970, mesmo que alguns de seus militantes neguem, em certa medida, as contribuições de Vicente Lima e a Frente Negra Pernambucana, e mais tarde a atuação de Paulo Viana e Edvaldo Ramos nas entidades culturais e nos terreiros religiosos.
Participante ativo da extinta Frente Negra Pernambucana e fundador do Centro de Cultura Afro-Brasileiro, Vicente Lima é um nome que não pode ser esquecido na história do movimento negro pernambucano, juntamente com o de Solano Trindade. Nos anos1930 colaborou com a equipe de Ulysses Pernambucano no estudo sobre os terreiros, e publicou um livro intitulado Xangôs, no qual expressou suas opiniões a respeito de questões diversas e a sua experiência como participante do grupo. Nesse momento, a preocupação maior de Vicente Lima era que a elite branca reconhecesse os negros como iguais, e para tal era fundamental que estes deixassem de lado suas práticas e crenças por ele consideradas superstições que só atrasavam os negros no Brasil. [15] Ainda nessa década participou da Frente Negra, e em 1992, Vicente Lima declarou ao jornal Djumbay:  

Minha militância começou pela Frente Negra Pernambucana. O movimento denominado “Frente Negra” surgiu em São Paulo e Pelotas-RS por volta de 1930, e no Recife, em 1937. Em São Paulo, foi uma reação contra a proibição da visita de negros à rua do Triângulo e da dança de negros em lugares considerados como de freqüência para brancos. Em Pernambuco, a Frente Negra chegou com a visita de Barros, o “Mulato” do Rio Grande do Sul. Juntamente com Solano Trindade, José de Albuquerque, Gerson Monteiro de Lima, conseguimos criar a Frente Negra Pernambucana.[16]

Esta organização teve vida efêmera e foi substituída, durante o Estado Novo, pelo Centro de Cultura Afro-Brasileira (CCAB), dirigido por Vicente Lima, que tinha por objetivo, “elaborar estudos e pesquisas” sobre as manifestações culturais afro-brasileiras, mas sobre as atividades que desenvolveu nessa instituição pouco sabemos. Esta entidade não sofreu solução de continuidade por muito tempo e a paralisação de suas atividades coincide com a periodização acima proposta, de que após o golpe do Estado Novo as organizações do movimento negro passaram por relativa paralisia
Solano Trindade é indubitavelmente o grande ícone de setores do movimento negro pernambucano, e ainda hoje é referência para muitos dos militantes e ativistas culturais negros. Foi um dos fundadores da Frente Negra Pernambucana, e ainda na década de 1930 muda-se do Recife para Belo Horizonte e posteriormente para o Rio de Janeiro, onde passa grande parte de sua vida. Solano Trindade contribuiu na criação do Teatro Experimental do Negro junto com Abdias do Nascimento, e posteriormente no início dos anos 1950, fundou, juntamente com Edson Carneiro, o Teatro Popular Brasileiro.
Afora essas primeiras atividades nos anos 1930, uma movimentação maior em torno da cultura afro-descendente só ganhará visibilidade em Pernambuco na década de 1950, pós Estado Novo. Foi nesse período que Paulo Viana começou a atuar entre os grupos culturais de afro-descendentes (maracatus, terreiros, escolas de samba).
Paulo Viana é um dos nomes mais significativos para se entender as questões relacionadas ao movimento negro pernambucano nos anos de 1960, 1970 e início da década de 1980, foi jornalista do Diário da Noite e do Jornal do Commercio. Suas idéias a respeito de os maracatus-nação constituírem verdadeiros reinados, por exemplo, mostra seus propósitos em fugir das caracterizações mais comuns entre os estudiosos e folcloristas. [17] Paulo Viana via na cultura um importante campo de batalha e de divulgação da problemática racial e por isso mesmo que primou em articular e construir um evento, a Noite dos Tambores Silenciosos, em que os maracatus-nação, manifestação cultural com maior legitimidade no que tange a negritude, prestassem homenagens aos ancestrais africanos. Tudo isso em meio a uma teatralização e a declamação de poesias aludindo a ancestralidade e a ligação saudosa com o continente africano. Foi também o presidente do Clube Carnavalesco Lenhadores, e desta forma, imprimiu a esta agremiação um caráter inovador, qual seja, a de um clube carnavalesco que promovia cursos de profissionalização e de comemorações das datas significativas para os negros e negras, que na época ainda estavam relacionadas com o 13 de maio. Evidentemente que as posições a respeito das relações raciais não eram as mesmas dos atuais militantes negros, mas ainda assim pode-se considerar bastante emblemática a presença de Paulo Viana, juntamente com Edvaldo Ramos nas primeiras reuniões para a criação do CECERNE.
Edvaldo Ramos foi outro ativista cultural que não podemos deixar de mencionar, pois exerceu diversas atividades ligadas aos grupos culturais a partir da década de 1960. Edvaldo atuou como presidente da Federação das Escolas de Samba de Pernambuco e manteve uma coluna semanal no Diário da Noite, em 1980, intitulada Movimento Negro, e outra na Folha de Pernambuco no ano de 1989, intitulada Orixás. Nestas colunas procurava desmistificar as religiões de orixás, e entidades, mostrando que as mesmas não estavam associadas ao mal, como se divulgava (ainda bem que isto é coisa do passado!). Divulgava a história da cultura negra, fornecendo elementos para que estes tivessem orgulho de seu passado. Edvaldo também enfatizava com insistência que o samba pernambucano não deveria ser tratado como estrangeiro, destoando da imensa maioria dos intelectuais e folcloristas que hostilizavam a todo tempo este ritmo em nome do frevo. Ajudou Paulo Viana a organizar a Noite dos Tambores Silenciosos no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Possuiu também intensas articulações com Badia, afamada mãe de santo e carnavalesca do Bairro de São José, ajudando na organização de vários eventos promovidos pelo terreiro desta.
Apesar de intrinsecamente ligado a alguns nomes que se sobressaíram, ou ficaram na memória, nem por isso se pode deixar de reconhecer que tiveram atuação no sentido de formar um movimento cultural que colocasse os afro-descendentes em evidência, num contexto marcadamente difícil para estas práticas culturais. Conforme salientou Sylvio Ferreira:

Em Pernambuco, a organização de uma entidade em bases raciais distintamente de outros estados do Brasil – como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia certamente – tem revelado ser uma atividade bastante espinhosa e que precisa de muita habilidade, tato ou cautela na sua realização. (...) A realidade sócio-racial pernambucana, no meio negro, revela, para qualquer observador um pouco mais atento, várias especificidades em comparação a outros estados brasileiros que merecem, sem dúvida, serem levadas em consideração. [18]

Alguns militantes defendem a idéia de que movimento negro só é feito por entidades organizadas nacionalmente, com programa e estatuto, advindo dessa concepção a rejeição à idéia de que os terreiros, maracatus e escolas de samba fossem parte do movimento, revelando os debates que o marcaram fortemente já no final dos 1970 e ao longo dos anos 1980.[19] Este é um dos motivos para explicar o fato de Paulo Viana e Edvaldo Ramos não terem o reconhecimento como ativistas do movimento negro, fazendo com que a periodização reconhecida por alguns militantes atuais se restrinja à fundação do Centro de Cultura e Emancipação da Raça Negra (CECERNE) no final dos anos 1970.
No período caracterizado como de rearticulação (1945 a 1975) os negros e negras pernambucanas foram pouco a pouco constituindo seus debates e lutas visando a construção de uma nova organização que permitisse a implementação política da luta contra o racismo e a denúncia da democracia racial.

O CECERNE.

Em linhas gerais, o movimento negro pernambucano teve sua rearticulação marcada pela fundação do CERCENE no ano de 1979. Com as fundações do IPCN – Instituto de Pesquisa e Cultura Negra – em 1975 no Rio de Janeiro, e do Movimento Negro Unificado em São Paulo, os negros e negras pernambucanos criaram o CECERNE, em 1979 dentro de um período de ascensão da questão racial no país. Deste grupo saíram muitos militantes com o propósito de fundar outras organizações políticas, dos quais o Movimento Negro do Recife, que mais tarde se incorporaria no Movimento Negro Unificado. Além destas duas referências, há que se considerar também o papel desempenhado pelos militantes históricos acima referidos, homens negros que em sua ação política articulavam pessoas ao seu redor, em uma entidade cultural ou religiosa. Sabendo dos riscos que corro, insisto em dizer que continuam válidas as sábias palavras de Yedo Ferreira, que define os centros religiosos e as entidades culturais como células primordiais do movimento negro brasileiro.
O CERCENE, Centro de Cultura e Emancipação da Raça Negra, teve uma vida relativamente curta, não mais do que uns poucos anos, mas ainda assim foi o suficiente para ser considerado ainda hoje por alguns militantes antigos como o precursor do movimento negro em Pernambuco.
Sylvio Ferreira, em sua obra A Questão negra em Recife, expõe longamente os motivos que o fizeram deixar a presidência da entidade ainda no ano de 1980. Deve-se levar em conta o fato de que as posições políticas deste intelectual e militante negro são, em grande medida, fortemente influenciadas por muitas das idéias de Gilberto Freyre. No prefácio do livro Roberto Motta tece algumas considerações a respeito das relações raciais, mostrando um grande nível de concordância com as teorias da mestiçagem propostas por Freyre nas obras em que discute tais questões:

(...) E chegamos a um impasse fundamental de uma ação política organizada do negro em Pernambuco. A compenetração de raças, de sangues, a profunda “confraternização de valores e sentimentos” de que fala Gilberto Freyre em passagem básica de toda a sua obra. Quem é negro e quem é branco? E mesmo se for possível separar na aparência o branco e o preto, o que é que a gente vai fazer do irmão, do primo, ou até do pai e da mãe que ficou do lado de lá? E da mulher, do filho, do amigo? E mesmo se houver neste país algum racismo, não faça o remédio maior mal do que o próprio mal. [20]

Esta orientação ideológica pode ser apontada para se entender os motivos que fizeram com que Sylvio Ferreira, segundo o próprio, tivesse os fortes embates e as querelas com Abdias do Nascimento, provocando também o seu afastamento do CECERNE. A forte influência de Gilberto Freyre, o ideólogo maior da democracia racial, não permitia uma militância com mais ênfase por parte de Sylvio Ferreira. E o seu relato no livro já citado evidencia bem as dificuldades em se fazer movimento negro em Pernambuco:

Talvez por conta de que o fator cor ou raça aqui em Pernambuco se encontra fortemente diluído. Quase que constituindo-se regra geral, a população negra se encontra largamente mestiçada, e uma vez mestiçada recusa-se a ser vista ou tratada como se negra fosse. [21]

Em outro trabalho Sylvio Ferreira apresenta discordâncias com a concepção de movimento negro preso exclusivamente a idéia de raça e alerta para que esta nunca esteja dissociada do contexto macro, ou seja, de que raça e sociedade são questões que devem ser compreendidas com outra categoria bastante utilizada pelos cientistas sociais: classe social. O ideal a ser perseguido pelo movimento negro, nas palavras de Sylvio pode ser apreendido melhor abaixo:

(...) mas que também pensem e repensem o problema da sociedade brasileira como um todo. A substituição de um segmento opressor por outro em nada interessa a nenhum homem, povo ou raça. Devemos lutar por uma sociedade justa, em que haja pretos e brancos, amarelos e índios, mas em que as pessoas vivam harmonicamente, sem opressores nem oprimidos. [22]

O CECERNE, no entanto, apesar de suas ambigüidades relacionadas ao discurso de Sylvio Ferreira serviu como ponto de partida para que outros organismos políticos fossem criados.

O Movimento Negro do Recife.

Diante das dificuldades vividas no interior do CECERNE, e discorridas na obra A Questão negra em Recife, de Sylvio Ferreira, parte significativa de seus militantes optou por criar uma nova organização, batizando-a de Movimento Negro do Recife. Esta organização representou a transição entre o período de construção do CECERNE e o ingresso em uma entidade de âmbito nacional, fundada no calor das lutas contra o racismo sofrido por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê, no ano de 1978, em São Paulo. Nas palavras de Auxiliadora, esta organização negra surgiu da seguinte forma:

(...) sendo assim o CECERNE passa a ser o Movimento Negro do Recife. Mais tarde, mesmo com o estatuto já definido – assim com o CECERNE anteriormente – o MNR sente que pela necessidade de uma prática social e política aprofundada deveria integra-se ao Movimento Negro Unificado – MNU, do qual receberia subsídios suficientes para os objetivos desejados e concernentes ao desempenho de um movimento negro. Dessa nova fase, fizeram parte do MNU Recife algumas pessoas do período do CECERNE como Inaldete Andrade, Irene Souza, Wanda Chase, Clenise Valadares, Sidney Felipe, Tereza França, Jorge Morais, Gilson Santana (Meia-Noite) e Maria Nogueira; e novos como Marcos Pereira, Telma Chaise, Marta Rosa, Jandira Mendes, entre outros. [23]

  Dentre os nomes listados por Auxiliadora, alguns despontam por serem relativamente conhecidos, como é o caso de Telma Chaise, que ocupou a presidência do Maracatu Nação Leão Coroado durante o período em que o MNU esteve à frente deste grupo, e Gilson Santana, o principal articulador do Daruê Malungo, que ainda hoje existe como entidade cultural na comunidade de Chão de Estrelas.
Há que se considerar as muitas dificuldades para se escrever uma história do movimento negro pernambucano. A ausência de documentação sistematizada e disponível em arquivos bem como os preconceitos que ainda circundam parte dos intelectuais pernambucanos para com este tipo de movimento torna tarefa difícil para aqueles e aquelas que enveredam por estes caminhos.
No entanto, na grande imprensa, a cultura afro-descendente gradativamente ganha visibilidade, para além dos maracatus, aparecendo nos anos 1980 e 1990 notícias diversas sobre outros grupos culturais, a exemplo dos afoxés, grupos de dança afro, reggae e samba-reggae. Algumas datas começam a ser anualmente discutidas com maior ênfase nos jornais de grande circulação, como o 20 de novembro, uma vez que o movimento negro não deixava passar “em branco” data tão significativa, promovendo shows, passeatas e discussões diversas, ressignificando a história do quilombo dos Palmares e de Zumbi.
Dentre os diversos grupos culturais surgidos no período vou destacar o Balé Primitivo, por sua relevância e longevidade, e por ter contribuído significativamente para a formação das identidades culturais na constituição de uma negritude no período.

O Balé Primitivo/ Balé de Cultura Negra do Recife.

O Balé Primitivo teve atuação significativa no Recife nos anos 1980. Tal afirmação pode ser atestada pela freqüência com que o grupo era objeto de notícias nos jornais Diário da Noite, Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio. Dirigido por Ubiracy e Zumbi Bahia, o grupo foi o principal responsável pela articulação do primeiro afoxé a desfilar pelas ruas de Recife e Olinda no já distante carnaval de 1982. Ylê de África, nome de batismo do afoxé ancestral dos grupos da atualidade, chegou a ter uma controversa participação na Noite dos Tambores Silenciosos daquele ano, que foi também marcado por atos de animosidade entre militantes do MNR com os atores do grupo teatral que fazia as encenações a pedido de Paulo Viana. [24] [25]Em entrevista recente, Ubiracy nega o envolvimento com estas brigas, afirmando que as mesmas foram obra exclusiva do MNR, que a seu ver não sabiam fazer outra coisa.
Após desentendimentos de ordem pessoal no ano de 1985, Ubiracy se separou de Zumbi Bahia, abandonando o nome Balé Primitivo, passando então a trabalhar sob a chancela de Balé de Cultura Negra – BACNARÉ. Foi sob a articulação deste grupo que no ano de 1985 foi reativado o Maracatu Nação Sol Nascente, mostrando que o movimento negro pernambucano possuía visão própria a respeito da cultura negra pernambucana. A reativação deste maracatu foi entendida como a continuidade das atividades do grupo anteriormente existente, de mesmo nome, e que segundo Ubiracy pertencera aos seus familiares. Os anos 1980 assistirão a reativação de outras nações de maracatu, a exemplo do Elefante, que foi objeto de notícia na imprensa em 1986, e o Porto Rico, que já havia sido posto nas ruas quatro anos antes, mais precisamente em 1982.

Conclusão:

Penso que não preciso afirmar mais nada que diga respeito à relevância da história dos negros e negras pernambucanas que insistiram em apontar o Brasil e, por conseguinte, Pernambuco, como terras eivadas de racismo e de injustiças no que diz respeito às relações raciais. Estes homens e mulheres trilharam caminhos árduos e muitas vezes abriram mão de projetos pessoais, abraçando uma causa bastante difícil de ser sustentada nos já longínquos anos de 1970, 1980 e 1990. É preciso ter a preocupação com a história desse movimento, que ainda permanece em grande parte invisibilizado para o grande público, e mesmo entre parcelas significativas dos pesquisadores das Ciências Sociais e da História. Faz-se necessário organizar projetos que dêem conta de registrar depoimentos orais de militantes negros que viveram as décadas passadas, que agiram e construíram práticas e costumes, que intervieram decididamente para que a história fosse contada de outra forma, levando em consideração outros pontos de vista, tornando-a plural e diversa. É preciso entender os processos de conformação da negritude pernambucana e de como esta combateu/negociou com a ideologia da democracia racial nestas terras. Entretanto, é imprescindível entender que estamos falando de uma identidade viva, que hoje paira em boa parte dos discursos dos afoxezeiros e maracatuzeiros, de positivação da negritude e de todos os seus símbolos e trejeitos. É preciso escurecer a História, tornando-a negra, como os nossos maracatus e afoxés, que por sinal foram por muito tempo excluídos da mesma.




[1] PINTO, L. A. Costa. O negro no Rio de Janeiro – Relações de raças numa sociedade em mudança. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1998, 2ª edição; FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Rio de Janeiro, Globo, 2008.
[2] Utilizo o conceito de religiões de divindades para referir-me ao xangô, candomblé e outras denominações em que os deuses sejam o elemento fundamental. Para as religiões em que as entidades predominam, exercendo o papel central das atividades religiosas, utilizo o conceito de religiões de entidades. Estou afirmando, com estas considerações, minha crítica e recusa na utilização dos conceitos “Afro-brasileiro”, “Afro-descendente” e “Matriz africana”. Estes conceitos, amplamente utilizados por vários estudiosos na tentativa de se referirem de modo genérico as religiões em que ocorre o fenômeno da possessão, não conseguem dar conta de uma gama de complexidades e diversidades existentes em religiões como a jurema, a umbanda e o candomblé. 
[3] HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, Ed. UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2005. A citação completa, na p. 251, é esta: “(...) Em nenhuma circunstância deve ser admitido que a discriminação racial existe no Brasil; e (2) qualquer expressão de discriminação racial que possa aparecer deve sempre ser atacada como não-brasileira”.
[4]MOTTA, Roberto. Gilberto Freyre, René Ribeiro e o Projeto UNESCO. In: HTTP://www.ceao.ufba.br/unesco/07paper-Motta.htm, acessado em 30/04/2009. Sobre o projeto UNESCO, ver: MAIO, Marcos Chor. Abrindo a “caixa preta”. O projeto UNESCO de relações raciais in: SCHWARCZ, Lílian Moritz; PONTES, Heloisa; PEIXOTO, Fernanda Áreas (org). Antropologias, histórias, experiências. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2004, p. 143 – 168; MAIO, Marcos Chor; HOCHMANN, G. (orgs). Raça, ciência e sociedade, Rio de Janeiro, Fundação Osvaldo Cruz, 1996.
[5] FERREIRA, Sylvio José B. R. A questão racial negra em Recife. Recife, Edições Pirata, 1982; SILVA, Maria Auxiliadora Gonçalves da. Encontros e desencontros de um movimento negro. Brasília, Fundação Palmares, 1994.
[6] MAUÉS, Márcia Angélica Motta. Negro sobre negro: a questão racial no pensamento das elites negras brasileiras. Rio de Janeiro, tese de doutoramento em Sociologia, IUPERJ, 1997.
[7] ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araújo. Histórias do movimento negro no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Pallas, CPDOC-FGV, 2007; CONTINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro, FAPERJ/ Aeroplano, 2005. Sobre as relações entre o movimento negro paulista e o Estado, ver: SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro e o Estado (1983 – 1987): o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo, 2006. Sobre o movimento negro mineiro, ver: CARDOSO, Marcos Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte: 1978-1998. Belo Horizonte, Maza Edições, 2002.
[8] Sobre os blocos afro-baianos, ver: GUERREIRO, Goli. A trama dos tambores – a música afro-pop de Salvador. São Paulo: Ed. 34, 2000.
[9] Sobre os movimentos negros do Rio de Janeiro e de São Paulo, ver: HANCHARD, Michael, George. Orfeu e o poder – movimento negro no Rio e em São Paulo (1945 -1988). Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001; MAUÉS, Maria Angélica Motta. Negro sobre negro. A questão racial no pensamento das elites negras brasileiras. Rio de Janeiro, Tese de doutorado em Sociologia no IUPERJ, 1997.
[10] SILVEIRA, Oliveira. Vinte de novembro: história e conteúdo in: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves; SILVÉRIO, Valter Roberto (orgs).  Educação e ações afirmativas – entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: 2003, INEP/MEC, p. 21 – 42.
[11] NASCIMENTO, Alexandre. Ação afirmativa – da luta do movimento social negro às políticas concretas.. Rio de Janeiro: Cadernos CEAP, 2006, p. 8.
[12] O Governo Brasileiro reconheceu oficialmente, em 2003, a existência do racismo no país criando a SEPPIR, Secretaria Especial Para a Promoção da Igualdade Racial. Ressalte-se que o primeiro decreto-lei apresentado pelo Governo Lula, também no ano de 2003, foi a lei 10639/2003 que institui a obrigatoriedade do ensino da História e da cultura afro-brasileira, objeto maior deste presente artigo.
[13] NASCIMENTO, Alexandre. op cit, p. 15.
[14] RIBEIRO, Matilde. Prefácio in PAIXÃO, Marcelo. Manifesto anti-racista – idéias em prol de uma utopia chamada Brasil. Rio de Janeiro:  DP&a Editores, 2006. 
[15] LIMA, Vicente. Xangôs. Recife, Empresa Jornal do Commercio/ Divulgação do Centro de Cultura Afro Brasileira, 1937.
[16] Djumbay, n. 01, março de 1992, p. 03.
[17] VIANA, Paulo. Carnaval de Pernambuco in: SILVA, Leonardo Dantas; MAIOR, Mário Souto. (Orgs.) Antologia do Carnaval do Recife. Recife, Massangana / Fundaj, 1991, pp. 311 – 313; VIANA, Paulo. O maracatu nação do Elefante desaparecerá com sua rainha. Diário da Noite, Recife, Diário da Noite, Recife 07/01/1958; VIANA, Paulo. Os grandes e legítimos maracatus cedem lugar a grupos sofisticados. Diário da Noite, 13/01/1958.
[18] FERREIRA, Sylvio José B. R. A questão racial negra em Recife. Recife, Edições Pirata, 1982, p. 53.
[19] Este debate foi discutido por Hanchard, mostrando que alguns grupos optaram pela “saída pelo cultural”.
[20] MOTTA, Roberto. Prefácio. in: FERREIRA, Sylvio José B. R. op cit.
[21] FERREIRA, Sylvio José B. R. op cit, p. 53.
[22] FERREIRA, Sylvio José B. R. O negro no contexto político brasileiro in: Os afro-brasileiros – anais do III Congresso afro-brasileiro. Recife, Ed. Massangana, 1985, p. 58.
[23] SILVA, Maria Auxiliadora Gonçalves da. Encontros e desencontros de um movimento negro. Brasília, Fundação Palmares, 1994, p. 60.
[24] Tambores lembram escravidão negra Diário de Pernambuco, 20/01/1982, p. a10. 
[25] Recife e Olinda têm nova atração. Diário da Noite, 16/02/1982, p. 03; Carnaval de Olinda terá bloco africano neste ano. Diário de Pernambuco, 20/01/1982, p. a10; Afoxé apresenta-se neste ano nas ruas do Recife e Olinda. Diário de Pernambuco, 17/02/1982, p. a11. Ver também: Afoxé lançado hoje em Olinda. Diário de Pernambuco, 16/01/1983, p. a9.